'Fala em catalão o cimento do Camp Nou': a história do Barcelona durante a ditadura Franquista
- Futebol por Elas
- 20 de out. de 2022
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Entre tantas rivalidades que existem no universo do futebol, sem dúvidas uma das maiores que há em nível global, é a rivalidade entre Barcelona e Real Madrid. Muito antes de Messi ou Cristiano Ronaldo vestirem respectivamente as camisetas do Barça e do Real, as equipes já carregavam tal legado, que, assim como em toda rivalidade, exalta as emoções dos torcedores e da mídia em dias de clássicos.
Apesar de não ser exclusividade do El Clásico essa êxtase pré e pós jogo, muitos desconhecem que, além do fato de pertencerem à mesma nação, tal confronto carrega consigo uma forte conotação política que, por décadas fortaleceu um desses clubes enquanto prejudicou não apenas o rendimento do outro, mas também ameaçou a liberdade e identidade de seus torcedores e moradores de sua região: a Catalunha.
Ao final da Guerra Civil Espanhola em 1939, impulsionada por decisões de tomada de poder entre republicanos e nacionalistas, os nacionalistas assumem o poder dando início à ditadura Franquista (1939-1975), liderada por Francisco Franco. Ele, propagou ideais que repreendiam aqueles que não se identificavam como pertencentes à nação espanhola, como era o caso dos catalães e outros povos, como os bascos. Uma das principais represálias de Franco nessa época, foi a proibição do uso de línguas regionais, hinos e bandeiras em escolas, igrejas e veículos de imprensa, pois, segundo ele, tais símbolos incentivariam uma possível segregação entre territórios da Espanha. Por conta de tais proibições o catalanismo ganhou força popular provinda das classes trabalhadoras, considerando que estes acabaram sendo os mais prejudicados durante esse período.
Como a população estava impedida de se comunicar em dialetos ou línguas diferentes do Espanhol em diversos locais, os catalães buscaram por espaços em que pudessem utilizar sua língua materna para se expressar sem que sofressem retaliações e, o ambiente em que isso se tornou possível foi dentro do estádio do Barcelona, o Les Corts, que futuramente seria substituído pelo atual estádio do clube, o Camp Nou (inaugurado em 1957). Dessa forma, torcer pelo Barcelona era muito além de apenas acompanhar o rendimento de um clube e vibrar por suas conquistas, mas era também uma forma de externalizar um coro reprimido. Frequentar o estádio tornou-se então uma maneira de socializar e agregar a massa trabalhadora, segundo Figols¹.
Ao contrário do que pode-se pensar, tais atitudes da torcida não ocorriam sem o conhecimento do general Franco ou dos dirigentes do Barça (que eram adeptos ao Franquismo). Eles estavam cientes e até mesmo incentivavam o uso da língua catalã nas partidas. O motivo para essa liberação, de acordo com Franklin Foer em “Como o futebol explica o mundo” era: deixar que o povo catalão canalizasse suas energias políticas num passatempo inofensivo. Dessa forma, evitaria protestos na rua. De certo modo, a estratégia funcionou pois, embora fizessem barulho nos estádios, os torcedores do Barcelona da época nunca se opuseram diretamente aos dirigentes do clube, o que seria considerado uma forma de ataque ao movimento Franquista.
Durante os anos que marcaram a ditadura Franquista, o Real Madrid teve grande desenvolvimento interno. Franco, era torcedor ferrenho do Real e ofereceu ao clube grande suporte, mesmo que de forma indireta. Além do possível intermédio de Franco na contratação de Alfredo Di Stéfano em 1954 pelo Real, considerando que o jogador já tinha sido contratado pelo Barcelona e até mesmo jogado alguns amistosos com o manto azul-grená, um fato muito conhecido ocorreu aproximadamente uma década antes, durante a semifinal da copa “Generalíssimo Franco”, em 1943. Na ocasião, o Barcelona se consagrou no jogo de ida por um placar de 3 a 0, mesmo precisando pagar uma multa por conta da hostilidade da torcida. No entanto, o jogo de volta acabou sendo favorável ao time merengue: Instantes antes da partida começar, um representante do governo entrou no vestiário do Barcelona para lembrar os jogadores que muitos deles tinham acabado de retornar do exílio à Espanha, graças à anistia.
“Não se esqueçam que alguns de vocês só estão jogando pela generosidade de um regime que lhes perdoou a falta de patriotismo”.
Os jogadores entenderam o conselho e recuaram. O resultado da partida: placar de 11 a 1 favorável ao Real Madrid. Estava consagrada uma rivalidade que percorreu décadas e permanece até hoje.
Considerando tudo isso, a construção do Camp Nou, iniciada em 1954 ressalta o aumento de torcedores culés (como são chamados) e marca a identidade de um clube que durante muito tempo foi negligenciado, mas mesmo assim conseguiu milhares de adeptos e desenvolvimento futebolístico. Isso explicaria a frase de Eduardo Galeano sob a perspectiva de entrar em um estádio vazio: fala em catalão o cimento do Camp Nou. Nunca a equipe do Barcelona foi tão silenciada como nos anos da ditadura Franquista.
¹Para saber mais sobre o assunto, leia o artigo de Victor de Leonardo Figols
escrito por: Giovanna Miranda
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