Drogba, o herói da paz: como um ídolo do futebol uniu um país em guerra
- Bruna Rodrigues
- 18 de jul. de 2017
- 3 min de leitura
São inúmeras as histórias que relatam os momentos em que o futebol “parou” a guerra: nas trincheiras da Primeira Guerra; no Congo, com o escrete liderado por Pelé; na Ucrânia, com o FC Start; no Haiti, com a Seleção Brasileira. Esta, porém, é mais recente do que se pensa e tem como protagonista um jogador que, há pouco tempo, encantava em um dos maiores clubes da Europa. Didier Drogba nasceu na Costa do Marfim e, ainda muito jovem, mudou-se para a França, onde iniciou sua carreira no futebol.
Após passar por alguns clubes de menor expressão, transferiu-se para o Olympique de Marseille, onde se destacou e chamou a atenção do Chelsea, clube no qual permaneceu por oito anos. Em meio a uma carreira tão bem-sucedida, talvez nem mesmo o próprio jogador imaginasse que se tornaria responsável por trazer a paz ao seu país natal, um território que há tanto sofria com disputas e guerras civis, e que via no futebol uma válvula de escape, uma das poucas razões para se orgulhar de seu nome e de sua bandeira.
A Costa do Marfim, país localizado na África Subsaariana, é rica em diversidade cultural, mas apresenta baixos índices de desenvolvimento humano. Com uma das mais altas taxas de mortalidade infantil e de analfabetismo da região, o país, que até então era um dos mais prósperos do oeste do continente, chegou a esse estado após a eclosão de uma revolta em setembro de 2002, que deu origem à chamada Primeira Guerra Civil da Costa do Marfim. O levante teve início com um motim das tropas insatisfeitas com a desmobilização do Exército, e contou com o apoio de muçulmanos do norte, que protestavam contra a marginalização de sua classe e de seus líderes.
A revolta estendeu-se por anos e dividiu o país, assolado por disputas internas entre rebeldes e forças armadas. No entanto, a população, refém do conflito, encontrou alento no futebol. Em 2005, pôde comemorar a inédita classificação da seleção nacional para a Copa do Mundo de 2006, após vencer o Sudão nas eliminatórias, campanha na qual Drogba, recém-campeão inglês pelo Chelsea, marcou nove gols. Considerado a maior estrela do futebol marfinense, o atacante transformou sua moral e influência em uma arma poderosa pela paz. Após a histórica conquista, Drogba tomou a palavra e fez um discurso cujas consequências talvez nem ele mesmo pudesse prever.
“Homens e mulheres do norte, do sul, do leste e do oeste, provamos hoje que todas as pessoas da Costa do Marfim podem coexistir e jogar juntas com um objetivo em comum: se classificar para a Copa do Mundo. Prometemos a vocês que essa celebração irá unir todas as pessoas. Hoje, nós pedimos, de joelhos: perdoem. Perdoem. Perdoem. O único país na África com tantas riquezas não deve acabar em uma guerra. Por favor, abaixem suas armas. Promovam as eleições. Tudo ficará melhor. Queremos nos divertir, então parem de disparar suas armas. Queremos jogar futebol, então parem de disparar suas armas. Há fogo, mas os malienses, os bété, os dioula... Não queremos isso de novo. Não somos xenófobos, somos gentis. Não queremos este fogo, não queremos isto de novo.”
As palavras pacíficas de Drogba provocaram o início de conversas entre os dois lados do conflito, que levariam, algum tempo depois, ao acordo de paz e ao cessar-fogo que pôs fim à guerra civil. Dois anos depois, o jogador surgiu novamente em nome da paz. Dessa vez, pediu que a partida contra a seleção de Madagascar, válida pelo Campeonato Africano das Nações, fosse realizada em Bouaké, a capital rebelde. E assim foi. Em 2007, há exatos dez anos, a seleção dos “Elefantes” motivou mais de 25 mil pessoas a cantarem juntas o hino nacional e derrotou o adversário por 5 a 0, em um jogo assistido lado a lado pelo então presidente Laurent Koudou Gbagbo e pelo líder rebelde Guillaume Kigbafori Soro.
Aquela foi a primeira vez que soldados do governo pisaram na capital rebelde. Naquele mesmo ano, um acordo político foi assinado com o objetivo de reunificar o país e realizar novas eleições. De lá para cá, Drogba consolidou-se ainda mais como jogador e ídolo, mas seu papel como herói e embaixador de um esporte que promove união e conciliação o tornou maior do que já era. Por 90 minutos, mais um confronto foi deixado de lado graças ao futebol que deu o pontapé inicial naquilo que todos os cidadãos desejavam tão profundamente: a paz.
Comments