Opinião: a hipocrisia dos clubes ao disponibilizarem seus estádios aos times do Sul
- Kaliandra Alves Dias
- 9 de mai. de 2024
- 3 min de leitura
Das 497 cidades do RS, 425 foram atingidas direta ou indiretamente pelas enchentes
A rotina foi alterada no cotidiano dos gaúchos. Há quase duas semanas, o nosso Estado foi destruído pela força da chuva e dos rios.
Famílias perderam suas mães, seus pais, seus avós e seus filhos. Outras perderam seus animais de estimação. Entre os relatos, um pai que precisou colocar, na mochila, a filha recém-nascida de apenas oito dias de vida. O instinto de sobrevivência clama!
O resto do Brasil vive; enquanto nós, gaúchos, encontramos uma maneira de sobreviver, de ajudar aqueles que perderam tudo e, até mesmo aqueles que têm tão pouco, divide o pacote que além de amenizar a fome também carrega consigo a esperança.
No meio de tanta destruição e tristeza, jogadores de Grêmio e Internacional foram para a linha de frente. Além das doações de alimentos, produtos de higiene e limpeza, também estão ajudando a resgatar outras vidas. Atletas que antes buscavam nos proporcionar alegrias, agora vivem a angústia e esperança de um renascer que, ao que tudo indica, ainda vai demorar a surgir.
O futebol, esporte que nos proporcionou tantos momentos e histórias de superação, nos trouxe um capítulo cinza. Enquanto o Rio Grande do Sul clama por ajuda, muitos times cederam seus espaços para que Grêmio e Internacional pudessem treinar e, desta forma, disputar os seus jogos. Uma atitude nobre? Para mim, nada mais é do que a soberba retratada por aqueles que não têm amor ao próximo.
Mas a empatia que foi levantada nas tragédias da Chapecoense e do Ninho do Urubu está anulada quando a dor se refere aos gaúchos.
Dos discursos de “o futebol não pode parar”, ainda está o “eles precisam continuar a viver!”. Mas como os jogadores e comissão técnica vão poder "recomeçar" e disputar os jogos enquanto o seu povo sofre? Como terão motivação para adentrar os campos sabendo que muitos funcionários de seus respectivos clubes perderam, absolutamente, tudo? Como disputar um lance se o pensamento está naqueles que perderam suas vidas e que muitos terão que recomeçar do zero?
Enquanto o goleiro do Grêmio, Caíque e o volante do Internacional, Thiago Maia estão ajudando no resgate de pessoas que ainda estão ilhadas. Outros jogadores se empenham, diariamente, a servir as marmitas, a buscar e fazer doações. A solidariedade não abrange apenas aqueles que ainda vestem a camisa Imortal ou Colorada, mas também envolveu aqueles que nos proporcionaram tantas alegrias. Nomes como Lucas Leiva, D'Alessandro e Rafael Sobis mostram que a idolatria vai além dos feitos dentro de campo.
A tragédia vivida por nós, gaúchos, atingiu o mundo. Diversas personalidades do mundo esportivo se solidarizam com a nossa dor. Na F1, Max Vertappen doou uma camisa autografada a um bazar, parte dos fundos serão destinados às vítimas das enchentes. O Sport, recentemente, também realizou um bazar de camisas em prol do povo gaúcho. Atitudes como essa nos fazem ter esperança de que o próximo capítulo será de reconstrução ao meio de tanta dor e sentimento de impotência.
No meio de tantas perdas, comentários xenofóbicos destinados aos gaúchos. Em diversas páginas relacionadas ao futebol, quase sempre o mesmo comentário "o futebol não pode parar!" e muitos relembram dos salários exorbitantes dos jogadores. Em um momento de dor e perdas, esquecem que o psicológico dos jogadores também está abalada e que as cenas, momentos e experiências dos últimos nove dias vão impactar na maneira de enxergar a vida e de valorizar as coisas mais simples do dia a dia - como por exemplo beber água.
As imagens das cidades que foram "engolidas" pela água não representa nem 1% do que é a tragédia. Muitos esquecem ou até mesmo não conseguem ter a dimensão de que quando a água baixar, um cemitério a céu aberto trará ainda mais dor e sofrimento. Não é preciso perder alguém para se compadecer pela tristeza que toma nosso Estado.
Aos irmãos de Botafogo, Atlético Mineiro e Criciúma, fica o sentimento de gratidão dos gaúchos por priorizarem e entenderem a nossa dor. Aqueles que não tiveram um pingo de piedade e compaixão, finalizo esse texto com o as palavras do presidente do meu co-irmão, Alessandro Barcellos, do Internacional. "Como vamos colocar o futebol frente da vida!".
foto destaque: Reuters
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