Luiza Lorentz: a voz da Arena do Grêmio e da inspiração
- Kaliandra Alves Dias
- 8 de mar. de 2024
- 9 min de leitura
Atualizado: 11 de mar. de 2024
Dar voz! Aos 31 anos, a jornalista Luiza Lorentz é inspiração para milhares de mulheres que sonham em trabalhar no jornalismo esportivo.
Além de ser voz da Arena do Grêmio, a gaúcha trás a representatividade dentro e fora das quatro linhas, mostrando que o impedimento deve ser apenas um lance de futebol.
Das arquibancadas ao microfone

Da Azenha ao Humaitá. De Santa Rosa, terra natal, a Porto Alegre. Das memórias as novas lembranças, Luiza se recorda com carinho de cada momento que viveu e da maneira como o amor que seu pai e irmão sentem pelo Grêmio a influenciou.
"A paixão pelo esporte sempre foi muito presente na minha casa, e meu irmão era daqueles torcedores que colecionavam pôsteres e tudo o que tivesse direito. Lembro que quando reformamos nossa casa, o quarto dele virou temático do Grêmio: ele tinha tinha na parede um pôster gigante com a foto do time do Grêmio que foi bicampeão da Libertadores em 1995", relembra a jornalista.
Morando no interior do Rio Grande do Sul até os 18 anos, a torcedora fala com carinho e emoção dos momentos que viveu durante a infância e adolescência. "A maior parte das minhas memórias com o Grêmio foram à distância".
Dentre os momentos compartilhados, Luiza relembra a viagem que fez em 2007 para acompanhar o confronto entre Grêmio e Boca Juniors no estádio Olímpico.
"Mesmo com a derrota de 4 a 0 que havíamos sofrido, meu pai (que morava em Porto Alegre na época), me incentivou que eu fosse assistir. Eu perdi dois dias de aula na escola, porque precisei ir de ônibus para Porto Alegre (são mais de 500 km de distância). Foi algo inesquecível pra mim, mesmo com a derrota. Era minha primeira final em um estádio"
Essa não é a única memória relacionada a antiga casa gremista. A despedida também trouxe recordações emocionantes. Além dos momentos ao lado do irmão na Geral do Grêmio, Luiza ainda cita a tradicional e inesquecível "avalanche".
Na Arena do Grêmio, um novo capítulo está sendo escrito com conquistas inesquecíveis. "com certeza minhas melhores lembranças são duas: o Grenal do 5 a 0, no Dia dos Pais, e o penta da Copa do Brasil, que teve também uma homenagem linda aos jogadores da Chapecoense, pouco depois do acidente de avião. E, claro, não posso deixar de citar o tri da Libertadores. Apesar de não termos vivido o título no estádio, eu fui no aeroporto receber a delegação e foi algo muito emocionante pra mim".
O amor que ganhou um novo capítulo
Em agosto de 2023, Luiza recebeu um convite que mudaria a sua carreira profissional, mas que ao mesmo tempo a deixava ainda mais próxima de seu time do coração: ser a voz da Arena.
"Se tem algo que eu nunca imaginei na minha vida é que algum dia receberia esse convite. Eu sou bem sonhadora, mas de fato esse sonho eu nunca tinha sonhado! A equipe da Arena estava em busca de locutoras mulheres gremistas e acabou pedindo indicações para alguns profissionais de rádio. Foi quando um amigo meu passou o meu contato".
Após acompanhar um dia de transmissão, a notícia oficial de que seria a nova voz da Arena veio em uma quinta-feira. "O jogo seria domingo, não deu tempo de associar o que aconteceu. Aceitei a proposta de olhos fechados, pois entendia o privilégio que era ter uma oportunidade assim. Eu, que sempre fui tocada por outras vozes que passaram pelo estádio, agora teria a oportunidade de ser ouvida por milhares de pessoas ao mesmo tempo e, de certa forma, eu passaria a contribuir com a experiência delas no estádio".
As experiências das torcedoras na casa gremista vai além da emoção dos cânticos da Geral. Adentrar a Arena do Grêmio, além de uma visão privilegiada, as torcedoras podem ouvir as informações que são transmitidas por Luiza e foi em um destes momentos que André Mattos, torcedor de Passo Fundo, relembra da reação da filha, Manuela de apenas oito anos.
"Após o estádio vibrar com o nome de Suárez, a minha filha me olhou e pediu 'papai, é uma menina falando?'. No momento em que concordei positivamente com a cabeça, os olhos da Manu brilharam e ela sorriu e disse 'que legal! Eu também quero ser!".
Se nas arquibancadas a pequena torcedora vibrava com a vitória por 2 a 0 diante do Cuiabá e da inspiração que veio através da voz de Luiza, no estúdio a jornalista vivia o nervosismo de sua primeira transmissão.
"Nós, mulheres, sabemos muito bem o que essa palavra (nervosismo) representa. No começo, tive bastante dificuldade pra dormir em noites que antecediam os jogos. Em algumas delas até acordava chorando, com medo de não conseguir, e nervosa com as críticas. Se esse desafio já era grande por si só, ele ficou ainda maior somado ao fato de que seria a primeira mulher a exercer essa função na Arena!", destaca Luiza.

Para Luiza as primeiras atuações serviram como um aprendizado. "Aprendi a aceitar isso e saber que é absolutamente normal a gente não fazer algo 100% quando fazemos pela primeira vez". Outro ponto destacado pela jornalista foi a rotina. "Tive que aprender absolutamente tudo: desde a dinâmica de um dia de transmissão, até a forma de colocar a voz pra fazer com que ela saia da melhor forma para quem está no estádio. Demorei uns cinco jogos pra ganhar confiança e me sentir mais à vontade no que estava fazendo".
O gremismo que se mantém
Quando uma jornalista relata que trabalha com seu time do coração um dos principais questionamentos se refere a emoção.
Para a jornalista, o desafio foi mais tranquilo do que imaginava. "No momento em que estou ali como locutora, eu sou uma profissional, uma prestadora de serviço. É como se virasse uma chave. A gente precisa ficar atento à tudo que está acontecendo o tempo todo".
Além de acompanhar o que acontece no campo e na televisão, Luiza ainda completa que ainda é preciso ficar atenta aos rádios de comunicação que são utilizados pela equipe. "Imaginem isso tudo ao mesmo tempo: se você piscar, você se desconcentra. Eu preciso ficar muito atenta aos sinais que a equipe me dá, pois sempre pode acontecer de precisarmos dar alguma informação que não estava prevista, afinal, eu sou a porta-voz da Arena naquele momento".
A comemoração não é jogada para escanteio. De sua maneira, Luiza e equipe sempre vibram com os gols marcados e, principalmente, com a energia que vem das arquibancadas.
Quando falamos de Grêmio é inquestionável o arrepio que sentimos ao ouvir a Geral do Grêmio. A paixão, energia e alento que vem das arquibancadas incentiva os jogadores e emocionam aqueles que encontram no futebol uma válvula de escape.
Recentemente, um vídeo compartilhado por Luiza viralizou. Nele, a equipe da Arena toca 'Wisky a go go', e no momento do refrão o volume diminuído e, das arquibancadas, o momento mágico acontece. "Um seguidor sugeriu, li a mensagem e quando cheguei no estádio, passei pra equipe de transmissão, e eles disseram que poderíamos fazer. Era o clima perfeito, pois havia mais de 50 mil pessoas no jogo do Grêmio contra o Corinthians. Filmei tudo e postei nas minhas redes sociais de uma forma muito despretensiosa, mas até hoje eu recebo notificações desse vídeo: já são mais de 1,5 milhão de visualizações".
"A partir dele que muitas pessoas começaram a me enxergar de fato como voz da Arena, e como uma voz ativa, que quer fazer a diferença, que quer se conectar com os torcedores. Foi esse vídeo que fez meu perfil atingir mais pessoas. Os comentários foram muito positivos e, de certa forma, isso me deu mais confiança pra fazer o meu trabalho e entender que esse era o meu lugar".
O renascimento e 'El pistolero'
Depois de garantir o retorno à Série A em 2022, os torcedores gremistas receberam como presente de Natal o anuncio de que Luís Suárez defenderia as cores do Imortal em 2023.
A magia em campo se estendeu ao encorajamento. Os gols marcados, a liderança e a idolatria tornaram a passagem do uruguaio em Porto Alegre inesquecível.
O sentimento também é recíproco para Luiza que teve a oportunidade de acompanhar de perto Luisito e ainda tornar os últimos momentos únicos. "Ele vinha de uma arrancada muito legal, tinha feito três gols fora de casa contra o Botafogo algumas partidas antes. Foi justamente neste jogo que “me caiu a ficha” de que eu estava anunciando o nome de um dos grandes camisas 9 da história dentro do estádio do Grêmio. E que ele estava jogando no meu Grêmio! Isso precisava ser maior do que qualquer insegurança ou medo que eu estivesse passando. Eu precisava aproveitar!".
"Eu resolvi me soltar um pouco mais, pra ver como a torcida reagia. E foi assim que comecei a gritar “el pistolero”na hora de anunciar o nome dele na escalação. Na despedida, ele ainda fez gol, e o Grêmio preparou um vídeo muito emocionante pra rodar no final do jogo. Esse foi o dia que não consegui segurar a emoção: chorei de verdade no final. Afinal, eu fui a locutora do último jogo de Suárez na Arena. É algo muito singular e único! Ninguém mais além de mim vai poder dizer que fez isso", relembra com carinho.
A representatividade e inspiração
Pelos estádios do Brasil, ainda existem outras mulheres que, assim como Luiza, dão voz e emoção aos jogos. Nomes como Pollyana Andrade, Kalyne Lima, Fernanda Maia e Chris Lima inspiram milhares que meninas que sonham em trabalhar com esporte.
Acadêmica de jornalismo e torcedora do Grêmio, Natália Fontoura comemora a representatividade dentro e fora das quatro linhas. "Cada vez mais, nós mulheres, estamos ganhando espaço no mundo futebolístico e mostrando o quanto somos capazes. Eu como uma pequena sonhadora sempre imaginei quando seria minha vez e hoje vejo que existem outras meninas me vendo trabalhar e pensando que um dia ela estarão lá. É um espaço que conquistamos diariamente para que cada vez mais a mulher entre e mostra sua força".
O espaço conquistado por elas mostra que apesar dos homens continuarem sendo a maioria, as mulheres se veem mais capazes de ocupar os mesmos lugares.
"O que eu acho mais legal da representatividade é mostrar que as mulheres não só podem ocupar os mesmos espaços que os homens, mas que elas podem criar o seu jeito de ocupar esses espaços. É isso que eu tenho buscado fazer: ocupar o meu espaço como locutora da Arena fazendo o que eu acredito ser certo, da forma que eu acho certa e vejo resultado, sem necessariamente me basear pelo que era feito por quem veio antes ou virá depois de mim", enfatiza Luiza.
Além de viver momentos inesquecíveis ao lado do seu time do coração, Luiza ainda pode se orgulhar dos feedbacks que recebe. "Muitas mães e pais me contam que agora suas filhas vão pro estádio e se sentem representadas nesse ambiente, quando elas escutam que a locução do estádio é feita por uma mulher. Ou que elas querem fazer isso quando crescerem! Essa questão de inspirar outras meninas a fazerem o mesmo é algo que mexe muito comigo".
O amor pelo seu time do coração não é apenas o único quesito para aquelas que sonham em trabalhar no mundo esportivo.
"O maior recado que eu posso dar pra qualquer pessoa é: sejam gentis, construam suas redes de contato e trabalhem bem. Deixem a sua marca em absolutamente qualquer coisa que vocês fizerem. Façam as pessoas lembrar que um dia a vida de vocês se cruzou por aí. Tem uma frase que eu gosto muito, que é do livro “Roube como um artista”e diz assim: "seja legal. O mundo é uma cidade pequena. "Ela resume muito da minha trajetória até aqui. Sempre tem uma porta que se abre quando alguma janela fecha. O seu papel é fazer as pessoas lembrarem de você!", finaliza a locutora.
Neste ano, o Grêmio lançou uma importante campanha voltada ao combate da violência contra a mulher. A ação inicial teve como foco o assédio sofrido no Carnaval.
Se em campo o meio-campista Villasanti usou a camisa 0 (zero), Luiza usou, novamente, a sua voz - desta vez com a sensação de que as suas palavras não foram apenas 'da boca pra fora'.
"A primeira coisa que pensei foi: como o público receberia essa fala se ela fosse dita por um homem? Eu tenho certeza que não seria da mesma forma. Fiquei muito orgulhosa em ser uma mulher falando com outras mulheres nesse momento. A minha sensação é de que, de alguma forma, as mulheres que estiveram no estádio e ouviram eu falando sobre essa ação sentiram que não ela não era algo só da "boca pra fora". Quando se fala em representatividade, é fundamental que as minorias sejam acionadas para dar voz às causas. E foi isso que eu fiz, literalmente".
Se os estádios de futebol ainda são consideados ambientes hostis, Luiza entende que as críticas aconteceram por ser uma mulher ocupando um espaço novo, que antes não era reconhecido pelo torcedor.
"Aos poucos, fui ganhando confiança, me soltando mais, e esse cenário começou a ser revertido. Hoje, recebo uma minoria de comentários ruins ou machistas, mas eles sempre estão ali de alguma forma. E é justamente por serem comentários machistas que eu os ignoro. Não é algo sobre mim, é algo sobre eles. Se não fosse eu, seria outra mulher que eles iriam atacar. E pra cada comentário desse tipo, eu tenho outros 100, de mulheres e homens, exaltando tudo que eu faço de bom. Então, eu acho que os machistas passam vergonha sozinhos, e no fim, quanto mais eles comentarem, mais engajamento eu tenho".
Que Luiza continue inspirando outras mulheres a lutarem pelo seu sonho.
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